Uma dose de anestesia pode embotar memórias traumáticas

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Uma dose de anestesia pode aliviar as memórias emocionais, sugere um novo pequeno estudo.

Pessoas que foram imediatamente sedadas depois de se lembrarem de uma história emocional tinham lembranças mais confusas das partes emocionais da história 24 horas depois, de acordo com o estudo, publicado hoje (20 de março) na revista Science Advances.

Os pesquisadores interromperam anteriormente as memórias usando outras técnicas, incluindo a terapia eletroconvulsiva, que envolve a passagem de uma corrente elétrica pelo cérebro. A anestesia é uma experiência muito menos invasiva, e a nova pesquisa gera esperanças de que a sedação possa ajudar em condições como o estresse pós-traumático.

É apenas "uma questão de tempo" antes que o grupo de pesquisa tente anestesia para tratar a doença, disse a líder do estudo Ana Galarza Vallejo, neurocientista clínico da Universidade Politécnica de Madri. Mas o TEPT é complexo, portanto ainda não está claro se o tratamento pode funcionar.

Alterando memórias

Pensou-se que as memórias eram estáticas depois de configuradas, mas os pesquisadores agora sabem que toda vez que alguém se lembra de um incidente, essa memória é vulnerável a alterações. Em estudos com animais, e mesmo alguns estudos em humanos com respostas muito básicas ao medo, os medicamentos demonstraram alterar as memórias emocionais. Cientistas na Holanda, por exemplo, descobriram que depois que as pessoas aprendem a associar uma imagem a um choque doloroso, o medicamento para pressão arterial propranolol pode quebrar essa associação, reduzindo a resposta ao medo.

Mas o TEPT não é tão simples. As memórias traumáticas são tecidas no tecido da vida das pessoas, frequentemente associadas a situações de vida ou morte ou trauma composto, disse Bernard Schreurs, neurocientista da Faculdade de Medicina da West Virginia University, que não participou do novo estudo. Alguém pode ter anos de memórias terríveis em torno de um relacionamento abusivo, por exemplo. E um estudo de 2015 que tentou usar propranolol para bloquear memórias em pessoas com TEPT não apresentou resultados.

A nova pesquisa não se concentra no TEPT, mas usa cenários de memória mais realistas do que o simples condicionamento do medo. O estudo incluiu 50 pessoas agendadas para colonoscopias ou gastroscopias de rotina no Hospital Clínico San Carlos, em Madri. Esses pacientes já estavam sob anestesia geral com o medicamento propofol para seus procedimentos.

Uma semana antes da sedação, Galarza Vallejo e seus colegas mostraram aos participantes duas apresentações de slides de fotos acompanhadas de histórias em áudio. As duas histórias começaram com conteúdo neutro, depois deram uma volta sombria no meio (um acidente de carro envolvendo uma criança em um e o seqüestro de uma jovem mulher no outro), antes de resolver com um final neutro.

Reset de memória

No dia do procedimento, pouco antes da administração da anestesia, os pesquisadores mostraram aos participantes o primeiro slide de apenas uma das histórias, com algumas partes bloqueadas, e perguntaram a eles o que cabia nos espaços em branco. O objetivo era acionar a reativação da memória, tornando-a vulnerável a alterações.

Quando os participantes acordaram na sala de recuperação, metade fez um teste de múltipla escolha sobre as duas histórias. A outra metade fez o mesmo teste, mas 24 horas após o procedimento.

Os pacientes que foram testados imediatamente em sua memória não mostraram diferenças em sua recordação. Mas os pacientes testados 24 horas depois estavam mais confusos com a história que haviam sido lembrados. Especificamente, eles tiveram mais dificuldade para recordar as partes emocionais da história.

"Não esperávamos ver isso", afirmou Galarza Vallejo.

O fato de as memórias terem mudado somente depois de 24 horas indicava que a mudança estava acontecendo durante o processo de reconsolidação, quando uma memória recuperada recentemente volta ao armazenamento. Para os pacientes entrevistados após 24 horas, a recordação das partes emocionais da história reativada diminuiu 12% em comparação com a outra história que os participantes não foram convidados a recordar antes da anestesia. Os pesquisadores compararam a dosagem da anestesia e o tipo de procedimento, não encontrando evidências de que elas fizeram diferença. A reativação da memória e a subsequente sedação pareciam ser fundamentais.

Até agora, os pesquisadores não sabem por que as memórias emocionais seriam mais vulneráveis ​​aos efeitos da anestesia em comparação com as neutras, disse Galarza Vallejo à Live Science. Essas lembranças podem ser mais imediatas para os participantes, disse ela. Estudos em animais mostraram que a amígdala, a região do cérebro mais associada à emoção e ao medo, e suas conexões com o hipocampo que consolida a memória são particularmente sensíveis ao propofol, escreveram os pesquisadores, para que a droga possa agir muito facilmente nessas estruturas cerebrais.

Tratamento do TEPT

O estudo foi "muito intrigante" e consistente com pesquisas com animais sobre propofol e memória, disse Schreurs à Live Science. Ainda assim, Schreurs disse, é um longo caminho desde o novo estudo até um tratamento útil do TEPT. Por questões de segurança, Galarza Vallejo e seus colegas tiveram que recrutar participantes que já estavam sob anestesia por uma razão médica; isso limitou o design do experimento. Não havia um grupo de participantes que não estivesse sedado, por exemplo.

O tipo de teste de memória usado também pode afetar as descobertas, disse Schreurs. Os pacientes foram convidados a recordar livremente a história antes da anestesia. Os testes de acompanhamento foram de múltipla escolha, o que facilita o reconhecimento da resposta correta. Mais importante, ele disse, os pesquisadores não acompanharam além do teste de memória de 24 horas.

"Seria realmente importante para algo clinicamente, como o TEPT, saber se esse tipo de manipulação é duradouro", disse ele.

Qualquer tentativa de tratar o TEPT com anestesia também precisa ser muito delicada, acrescentou Schreurs. O método exige que o paciente volte a se lembrar de memórias traumáticas, que podem causar mais danos emocionais.

"Claramente, você teria que fazer isso em um ambiente muito seguro", disse ele.

Galarza Vallejo e seus colegas estão interessados ​​em tentar fazê-lo. O desafio, disse ela, será encontrar um grupo de pacientes com memórias traumáticas bastante semelhantes que possam ser desencadeadas com o mesmo tipo de pistas de reativação. Os pesquisadores também querem experimentar o método primeiro em pessoas com trauma relativamente novo, disse ela, já que memórias mais antigas podem ser mais difíceis de modificar.

"Quando encontrarmos esse grupo de pessoas, gostaríamos de fazê-lo", afirmou Galarza Vallejo. "Sabemos que temos o apoio do hospital".

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